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Cristais

Crystal Gradation, 1921, Paul Klee

Um cristal é indivíduo não porque possui uma forma geométrica ou um conjunto de partículas elementares, mas porque todas as propriedades ópticas, térmicas, elásticas, elétricas, piezoelétricas sofrem uma variação brusca quando se passa de uma face para a outra; sem essa coerência de uma multidão de propriedades com valores bruscamente variáveis, o cristal seria apenas uma forma geométrica associada a uma espécie química, e não um verdadeiro indivíduo. Aqui, o hilemorfismo é radicalmente insuficiente, pois ele não pode definir esse caráter de pluralidade unificada e de unidade pluralizada feito de uma feixe de relações quânticas (p. 356).

A expressão "pluralidade unificada e de unidade pluralizada" por certo remete ao "diferenciar do não-diferenciável, ou a unidade do diferente", de Hegel. No livro Fenomenologia do Espírito, precisamente no segundo parágrafo de Die Bestimmung [169], lemos: Porém, nesse meio simples e universal as diferenças estão também como diferenças; pois essa universal fluidez só possui sua natureza negativa enquanto é um suprassumir das mesmas; mas não pode suprassumir as diferenças se essas não têm um subsistir. Justamente essa fluidez, como a própria independência igual-a-si mesma, é o subsistir - ou a substância - das diferenças, que assim estão nela como membros distintos e partes para-si-essentes. O ser não tem mais o significado de abstração do ser, nem a essencialidade pura desses membros tem a significação de abstração da universalidade; mas o seu ser é agora justamente aquela fluida substância simples do puro movimento em si mesmo. Porém a diferença desses membros, uns em relação aos outros, como diferença não consiste, em geral, em nenhuma outra determinidade que não a determinidade dos momentos da infinitude ou do puro movimento mesmo. (p. 121)

Para Simondon, a forma mais primitiva de individuação é representada pela formação dos cristais, a epítome da individuação física. Ele explora o assunto ao tratar da relação entre estruturas e energia potencial, através do princípio da alotropia, a propriedade que alguns elementos químicos têm de se transformar em uma ou mais substâncias diferentes, como o diamante e o grafite, que formam um retículo cristalino, na qual todos os átomos estão unidos por ligações covalentes. Como se vê, a noção da retícula aqui também está presente, revelando pontos e suas coordenadas integrais, as tensões ideais, a multiplicidade de direções que devem seguir cada molécula, uma representação que, apesar de ser abstrata (periódica, infinita), se coloca em posição antitética aos corpos amorfos. [1]

"Monstro", quartzo e calcedônia (Roger Caillois, The Writing of Stones, p. 10)


Mas o que importa para Simondon é como a operação estruturante do cristal é desengatilhada por um inesperado "corpo estranho", oriundo do meio externo, mas que adquire a capacidade de compatibilizar as condições materiais e energéticas, orquestrando uma relação entre um estado ordenado e um estado amorfo, transformando-se numa semente estruturadora, um germe que ativa a tomada de forma do indivíduo físico, mas que ao mesmo tempo não é propriamente o indivíduo, é apenas um ponto singular, uma singularidade que surgiu como a silhueta de uma informação. Além disso, existe um prolongamento no tempo e no espaço das condições desta compatibilidade realizada, nivelando germe e estrutura. Aqui se apresenta um fenômeno que vai além do esquema hilemórfico, para o qual só existem a matéria (átomos) e a forma (retículos de Bravais), sem considerar o aspecto energético da relação entre os dois termos e a relação dos dois termos com o meio em que estão inseridos.

Os cristais, segundo Bravais, podem ser classificados como grupos pontuais de operações de simetria que une suas faces. Da menor para a maior simetria, os sistemas cristalinos são assim chamados: triclínico, monoclínico, ortorrômbico, tetragonal, trigonal, hexagonal e cúbico.

[1] Si l'on se représente un corps amorphe comme un corps dans lequel les particules constitutives sont disposées de façon désordonnée, on pourra supposer que le cristal est, au contraire, un corps dans lequel les particules élémentaires, atomes ou groupes d'atomes, sont disposées selon des arrangements ordonnés, nommés réseaux cristallins. [Se representamos um corpo amorfo como um corpo no qual as partículas constituintes são dispostas de forma irregular, pode presumir-se que o cristal é, pelo contrário, um corpo no qual as partículas elementares, átomos ou grupos de átomos, são dispostos em arranjos ordenados, chamados redes cristalinas.] (ILFI, p.73) 


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