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Neotenia

 


É de fato intrigante o modo como Simondon trabalha com a ideia de neotenia, retirada da biologia do desenvolvimento. Em resumo, pode-se explicá-la (na biologia) com a famosa frase de Ernst Haeckel "a ontogenia recapitula a filogenia", ou como embriões repetem a evolução de gerações anteriores, ou como adultos mantém traços de sua juventude em fase de reprodução. No mundo animal, a ideia é ricamente ilustrada com o Axolotl, o peixe andarilho, uma salamandra neotênica (ver imagem acima). O filósofo anexa (no sentido de fazer o nexo, rapport) a ideia com as classes de individuação: física, vital e psíquica; para ele, a planta contém em si a individuação limítrofe dos minerais, bem como os animais retém traços de plantas no processo de individuação (movimento nástico e/ou tropismo, por exemplo? – percepção e ação; movimento e conhecimento: díades coordenadas pela afeto-emotividade): 

Segundo essa maneira de ver, a individuação vital viria inserir-se na individuação física suspendendo o curso desta, lentificando-a, tornando-a capaz de propagação no estado incoativo. O indivíduo vivo seria, de certa maneira, em seus níveis mais primitivos, um cristal no estado nascente, amplificando-se sem se estabilizar. Para aproximar esse esquema de interpretação de noções mais correntes, pode-se apelar para a ideia de neotenia e generalizar esse tipo de nexos entre classes de indivíduos, supondo, na categoria dos viventes, uma cascata de possíveis desenvolvimentos neotênicos. A individuação animal pode, num certo sentido, ser considerada mais complexa que a individuação vegetal. Entretanto, pode-se também considerar o animal como um vegetal incoativo, desenvolvendo-se e organizando-se ao mesmo tempo que conserva as possibilidades motoras, receptoras, reacionais que aparecem na reprodução dos vegetais. Supondo-se que a individuação vital retém e dilata a fase mais precoce da individuação física — de modo que o vital seria o físico em suspensão, lentificado em seu processo e indefinidamente dilatado — pode-se também supor que a individuação animal se alimenta na fase mais primitiva da individuação vegetal, retendo em si algo de anterior ao desenvolvimento como vegetal adulto e mantendo, em particular, durante um tempo maior, a capacidade de receber informação. [222]

Avança mais ainda ao afirmar que “o psíquico intervém como uma lentificação da individuação do vivente, uma amplificação neotênica do estado primeiro da gênese” [239]. Estranhamente tudo isso remete à letra da canção Le Temps Perdu (J.P.Stora/ Manouchka), (ouço-a na voz Hervé Vilard), Prends le temps, prends le temps / Le temps de t’arrêter, / Prends le temps seulement de respirer, / Prends le temps simplement de regarder les fleurs. / Simplement une fleur / Une fleur et d’aimer sa couleur. (é tema do filme 'Le Clair de Terre', de Guy Gilles). 

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