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Hilemorfismo

A metafísica substancialista, principalmente aquela nomeada hilemórfica, presume e induz o ser único, nascido no evento de uma gênese sui genere: uma mônada sem clinâmen, a emergência de um suposto terceiro após a síntese de um dualismo, ou uma multiplicidade sem totalidade e sem relacionalidade. Mas vamos nos concentrar no substancialismo dualista, aquele que deu origem ao embate entre corpo e alma (Descartes) e à dialética. Teve como ponto alto o hilemorfismo, uma teoria filosófica desenvolvida por Aristóteles, a qual concebe a substância como um composto de matéria e forma. Simondon não recusa o esquema, acha-o apenas incompleto. Propõe a inclusão de um terceiro termo, a energia, porque a própria aquisição de forma demanda matéria, forma e energia, singularidade (ILFI, p.52. No original: La prise de forme elle-même demande matière, forme et énergie, singularité).


Clinamen by Celeste Boursier-Mougenot   

No hilemorfismo, o ser ocorre após o encontro entre forma e matéria, dando origem a uma substância, a um indivíduo já individuado. É como se fosse uma oposição ao atomismo, que concebe a constituição do indivíduo antes do mencionado encontro, ou seja, o ser vem antes do processo de individuação. Ao invés da palavra "indivíduo", Simondon prefere o substantivo "individuação", que dá a ideia de ação, de processo, ou melhor, de operação. A individuação de um ser já individuado ocorreria "em pleno voo", logo, durante, e não antes ou depois da constituição primordial. As duas formas anteriores de pensamento – hilemorfismo e atomismo – fundamentam o "princípio" da individuação a partir de um indivíduo já formado, sem levar em consideração a relação entre o individuado e a individuação, entre a estrutura e a operação. Tal relação, nesse caso, adquire uma qualidade ontológica, de ser. A filosofia clássica pensa o ser na forma de indivíduo; Simondon propõe a individuação, ao invés de indivíduo, e operação, ao invés de princípio. Trata-se de uma "gênese móvel". O processo é visto como uma forma de progresso: linear, evolutivo, do simples ao complexo. Mas, na verdade, deveria ser visto como uma resolução de forças oponentes (mas não discordantes) de diferentes ordens de magnitude, operadas de forma semelhante, mas descontínuas.

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