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Transindividual

    A obra de Simondon recusa formalizações e diagramas, mas há momentos em que a complexidade conceitual contrapõe-se a essa força. Sentimentos, sensações, prazer e vontade… Robert Musil também já sabia da dificuldade de descrever tais fenômenos interiores. No caso do filósofo francês, o indivíduo atualiza-se graças a tensão promovida por eles, buscando um tipo de elevação, pois [é] o respeito dessa relação do individuado e do pré-individual que é a espiritualidade [375]. Não é possível atingir a transcendência sem resolver problemas da imanência, dispostos no ser coletivo. Na vida prática, começa-se por resolver o jogo entre ação e percepção, a começar pela propriocepção, a apreensão e "incorporação" da res extensa.  Na vida íntima, o jogo é entre emoção e afetividade, explícito na vivência da solitude. Após tais resoluções, o indivíduo devém um incremento, sendo os desafios agora coletivos. É preciso resolver, de modo transversal, a problemática entre ação e emoção, bem como entre percepção e afetividade (a emoção é a significação da afetividade como a ação o é da percepção [376]). Há o devir pela ascendência das resoluções no campo social, investindo em ações diretas ou mutirões, por exemplo. Ou se deixar levar por uma experiência de caretaking, pois é a partir do afeto constituído em ação através da psique que se demonstra sentimentos voltados ao outro. Se o indivíduo resolver apenas um dos termos circulares, estará incompleto. Resultará em alguém voltado à ciência ou à fé, exclusivamente. Ciência e fé são os destroços de uma espiritualidade que fracassou e que partilha o sujeito, opondo-o a si mesmo em vez de conduzi-lo a descobrir uma significação segundo o coletivo [379]. Se resolver aquelas inter-relações, estará pronto para enfrentar a aventura do transindividual. É pela resolução da afetividade que conseguirá a sabedoria emocional para agir na coletividade, investindo em vinculações do tipo Ich und Du, na expressão de Martin Buber, porque a emoção estrutura topologicamente o ser [378]. E é pela resolução de problemas perceptivos que logrará obter a maturidade da cidadania. A resolução total, ao fim e ao cabo, o levará a uma forma de cosmologia. A circularidade individual, portanto, intersecta-se com a circularidade coletiva. Uma reforça a outra transdutivamente, com fica claro no magistral filme de Kira Muratova, Getting to Know the Big, Wide World (1978):

If Muratova’s films are set against typical Soviet backdrops—the small provincial town, construction site, speech halls—I question whether romance between comrades can be anything but a love triangle with the state, the collective? How might intimate relationship struggles become entangled in advances towards a political horizon? Do comrades and romantic partners share the same kind of relationship goals?  


Yuk Hui, no livro Recursivity and Contingency (p. 207 do PDF), resume assim: Simondon holds the view that individuation is at the same time psychic and collective. This means that we cannot separate the psychical from the collective, since the psychical is always already transindividual. This transindividual relation of the living being is characterized by an interaction between perception and action in which the problematic is normally resolved by the intervention of affectivity. The psychical intervenes when affectivity cannot succeed in resolving the problematic and is therefore obliged to relinquish its central role in individuation. According to Simondon the psychic problematic cannot be resolved on the “infra-individual level” since “the psychic life goes from the preindividual to the collective.” In order to understand what he means by this, let’s take solitude as an example. Solitude is not a rupture from all relations with the world; on the contrary, it is transindividual in the sense that it is always in search for an outside, without which there is only isolation: “The veritable individual is that which has passed through solitude; what he discovers beyond solitude is the presence of a transindividual relation. The individual finds the universality of relation  by  means of the test [épreuve] that is imposed on him, and it is a test of isolation.”
 

 

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