É curioso o uso que Simondon faz de certas palavras e locuções: todas, invariavelmente, conotam, denotam e aportam um ou mais elementos das ciências duras e humanísticas, pareando descobertas da biologia, física e química com noções da antropologia e psicologia social. Se a realidade é complexa, ela deve ser polidimensional. Nas nuvens de palavras extraídas de seus livros, uma das que mais aflora é “axiomática”. Qual a abordagem? Lógica, geométrica, aritmética? Todas? Inferimos que ele coordene a lógica das proposições com um campo topológico. Uma série transdutiva teria a “forma” de um proposição, por exemplo: se A = B; e B = C; então A = C. A ação e a percepção de seres vivos supõem uma coerência axiomática; não tanto como reflexo condicionado, mas como uma causalidade invertida de ação e reação: reação antes da ação. O que antecede a percepção mais primitiva (propriocepção, motricidade) é a antecipação dos objetos do mundo por emissão de "sinais", um tipo de "ecolocalização" destinado à imagem dos objetos.
A imagem não depende da consciência, não está sujeita à força motriz da consciência (Cf. Imaginação e Invenção). A imagem é, em certos casos excepcionais, resultado da atividade interna constante, como o magma da terra, e o que aflora são fragmentos ejetados de “explosões” vulcânicas, nuvens piroclásticas. Na fase motora, a imagem está grudada ao objeto, é um flash antecipado de como os objetos estão situados. A metáfora dos cogumelos é perfeita: a imagem é um ganoderma de tamanho considerável, porém sabemos que seu fruto é apenas uma parte da história: no subterrâneo correm extensos filamentos de micélio, os quais ligam o ganoderma a outros cogumelos, mesmo de famílias diferentes. E a ampliação transcende a espécie: líquenes e cogumelos formam uma sociedade cooperada, e não há parasitismo.
Mas voltando à questão da axiomática: ela não é nada mais que a resolução de problemas. O problema da organização, da disparação da imagem focada em 3D pelas retinas direita e esquerda, por exemplo. Ou da convivência, que se resolve no ponto equidistante entre o passado e o porvir do indivíduo: "No coletivo, a ação individual ganha um sentido porque ela é presente. O presente do coletivo é comparável à terceira dimensão do espaço para a percepção; nisso, o porvir e o passado do indivíduo acham uma coincidência, e se ordenam em sistema, graças a uma axiomática de grau superior" (ILFI, 326). A axiomática perpetra também a ligação fundamental entre lógica, computação e geometria, evidenciando que toda tabela-verdade é também uma árvore binária e também um cubo. Se abstrairmos um pouco, percebemos que a cadeia transdutiva que vai do ponto ao paralelogramo, e do paralelogramo ao romboedro, é análoga ao que informa o tesserato dos cristais. E assim, mais uma vez, as noções se cruzam e entrecruzam. Porque a realidade é enciclopédica. E não há como o reducionismo vingar. Simondon sempre soube disso - poeticamente.